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quarta-feira, 20 de junho de 2012

O menino do dedo verde


“Capitulo 5
A preocupação é uma ideia triste que nos comprime a cabeça ao despertar e permanece ali o dia todo. A preocupação se serve de qualquer meio para penetrar nos quartos; ela se insinua como o vento no meio das folhas, monta o cavalo na voz dos pássaros, desliza pelos fios da campainha.

Naquela manhã, em Mirapólvora, a preocupação se chamara: “Não é como todo mundo.”

O Sol não se decidia a levantar-se.

“É bem aborrecido ter que acordar esse pobre Tistu”, dizia ele. “Logo que abrir os olhos, vai lembrar-se que foi expulso da escola...”

O Sol pôs um abafador no seu dínamo e lançou uns raiozinhos de nada, embrulhados em bruma; o céu permaneceu cinzento em cima de Mirapólvora.

Mas a preocupação dispõe de outros recursos; dá sempre um jeito de chamar a atenção. Ela se infiltrou, dessa vez, na grande sirene da fábrica.

E todo mundo em casa ouviu a sirene gritar:

- Não é como todo mu-un-undo! Tistu não é como todo mu-un-undo!

Foi assim que a preocupação penetrou no quarto de Tistu.

“Que será de mim?”, perguntou a si próprio. E afundou a cabeça no travesseiro, mas não conseguiu adormecer de novo.  Era desesperador, reconheçamos, dormir tão bem na aula e tão mal na cama!

Siá Amélia, a cozinheira, resmungava sozinha, acendendo o forno:

- Nosso Tistu não é como todo mundo? E quem é que prova? Tem dois braços, duas pernas...

O criado Cárolo, polindo raivosamente o corrimão da escada, ficava repetindo:

- Tistu no ser como os otrros...

Cárolo, fazemos questão de declarar, tinha um leve sotaque estrangeiro.

Na cavalariça, os jóqueis cochichavam:

- Não é como todo mundo, um garoto desses... Você engole essa?

E como os cavalos participam das preocupações dos homens, até os puro-sangue groselha pareciam nervosos, batiam com as ferraduras, davam arrancos nas rédeas. Três fios brancos apareceram de repente entre a crina da Bonita.

Só o pônei Ginástico permanecia alheio a toda essa agitação e comia tranquilamente o seu feno, mostrando os seus belos dentes.

Mas exceto este pônei, que bancava o indiferente, todo mundo perguntava o que ia ser de Tistu.

E os que se faziam essa pergunta com aflição maior eram, é claro, os pais do menino.

Diante do espelho, o Sr. Papai passava brilhantina no cabelo, mas sem nenhuma alegria, quase automaticamente.

“Eis um menino”, pensava ele, “que parece mais difícil de educar do que um canhão!”

Rosada, entre os travesseiros rosados, Dona Mamãe deixou cair uma lágrima dentro do café com leite.

- Se adormece na aula, como poderá aprender? Perguntava ela ao Sr. Papai.

- Talvez a distração seja uma doença incurável – respondeu ele.

- Em todo caso, é menos perigoso que a bronquite – continuou Dona Mamãe.

- Mas, de qualquer modo, é preciso que Tistu se torne um homem – disse o Sr. Papai.

Após este violento diálogo, calaram-se um momento. “Que fazer? Que fazer?”, pensavam os dois, cada um em seu canto.

O Sr. Papai era um homem de decisões rápidas e enérgicas. Dirigir uma fábrica de canhões retempera uma alma. Por outro lado, amava muito o filho.

- É muito simples – declarou ele. – Achei a solução. Tistu não aprende nada na escola? Pois bem, não vai mais pisar em escola alguma! Se os livros o fazem dormir, fora com os livros! Vamos experimentar com ele um novo sistema de educação, já que não é como todo mundo! Ele aprenderá as coisas que deve saber, olhando-as com os próprios olhos. Ensinar-lhe-ão no local, a conhecer as pedras, o jardim, os campos; explicar-lhe-ão como funciona a cidade, a fábrica, e tudo que puder ajudá-lo a tornar-se gente grande. A vida, afinal, é a melhor escola que existe. Vamos ver o resultado.

Dona Mamãe aprovou com entusiasmo a decisão do Sr. Papai. Quase lamentou não possuir outros filhos nos quais pudessem aplicar um sistema educativo tão sedutor.

Para Tistu, adeus empadinhas comidas às pressas, pasta a carregar nas costas, carteira onde a cabeça tombava sozinha e punhados de zeros a escorrerem do bolso! Começava uma vida nova.

E o Sol se pôs de novo a brilhar.” (O menino do dedo verde – Maurice Druon)

Terminei de ler este livro ontem, foi um presente da minha irmã Ju, por uma indicação do nosso amigo Padre José Luis.

É uma obra de ficção, escrita com humor e poesia. Ele não trada da SD, mas como nossa vida é transbordada de amor pelo Davi, fica difícil não traçar alguns paralelos... Depois que esta “pessoinha” entrou na nossa vida, não conseguimos mais olhar o mundo se não for pelo olhar dele.
O livro apresenta uma leitura super simples e gostosa... fica a dica!

Nosso "Tistu" não tem o dedo verde... mas o coração!...

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