“Capitulo 5
A preocupação é uma ideia triste que nos comprime a cabeça
ao despertar e permanece ali o dia todo. A preocupação se serve de qualquer meio
para penetrar nos quartos; ela se insinua como o vento no meio das folhas,
monta o cavalo na voz dos pássaros, desliza pelos fios da campainha.
Naquela manhã, em Mirapólvora, a preocupação se chamara: “Não
é como todo mundo.”
O Sol não se decidia a levantar-se.
“É bem aborrecido ter que acordar esse pobre Tistu”, dizia
ele. “Logo que abrir os olhos, vai lembrar-se que foi expulso da escola...”
O Sol pôs um abafador no seu dínamo e lançou uns raiozinhos
de nada, embrulhados em bruma; o céu permaneceu cinzento em cima de
Mirapólvora.
Mas a preocupação dispõe de outros recursos; dá sempre um
jeito de chamar a atenção. Ela se infiltrou, dessa vez, na grande sirene da
fábrica.
E todo mundo em casa ouviu a sirene gritar:
- Não é como todo mu-un-undo! Tistu não é como todo mu-un-undo!
Foi assim que a preocupação penetrou no quarto de Tistu.
“Que será de mim?”, perguntou a si próprio. E afundou a
cabeça no travesseiro, mas não conseguiu adormecer de novo. Era desesperador, reconheçamos, dormir tão
bem na aula e tão mal na cama!
Siá Amélia, a cozinheira, resmungava sozinha, acendendo o
forno:
- Nosso Tistu não é como todo mundo? E quem é que prova? Tem
dois braços, duas pernas...
O criado Cárolo, polindo raivosamente o corrimão da escada,
ficava repetindo:
- Tistu no ser como os otrros...
Cárolo, fazemos questão de declarar, tinha um leve sotaque
estrangeiro.
Na cavalariça, os jóqueis cochichavam:
- Não é como todo mundo, um garoto desses... Você engole
essa?
E como os cavalos participam das preocupações dos homens,
até os puro-sangue groselha pareciam nervosos, batiam com as ferraduras, davam
arrancos nas rédeas. Três fios brancos apareceram de repente entre a crina da
Bonita.
Só o pônei Ginástico permanecia alheio a toda essa agitação
e comia tranquilamente o seu feno, mostrando os seus belos dentes.
Mas exceto este pônei, que bancava o indiferente, todo mundo
perguntava o que ia ser de Tistu.
E os que se faziam essa pergunta com aflição maior eram, é
claro, os pais do menino.
Diante do espelho, o Sr. Papai passava brilhantina no cabelo,
mas sem nenhuma alegria, quase automaticamente.
“Eis um menino”, pensava ele, “que parece mais difícil de
educar do que um canhão!”
Rosada, entre os travesseiros rosados, Dona Mamãe deixou
cair uma lágrima dentro do café com leite.
- Se adormece na aula, como poderá aprender? Perguntava ela
ao Sr. Papai.
- Talvez a distração seja uma doença incurável – respondeu ele.
- Em todo caso, é menos perigoso que a bronquite – continuou
Dona Mamãe.
- Mas, de qualquer modo, é preciso que Tistu se torne um
homem – disse o Sr. Papai.
Após este violento diálogo, calaram-se um momento. “Que
fazer? Que fazer?”, pensavam os dois, cada um em seu canto.
O Sr. Papai era um homem de decisões rápidas e enérgicas.
Dirigir uma fábrica de canhões retempera uma alma. Por outro lado, amava muito
o filho.
- É muito simples – declarou ele. – Achei a solução. Tistu
não aprende nada na escola? Pois bem, não vai mais pisar em escola alguma! Se
os livros o fazem dormir, fora com os livros! Vamos experimentar com ele um
novo sistema de educação, já que não é como todo mundo! Ele aprenderá as coisas
que deve saber, olhando-as com os próprios olhos. Ensinar-lhe-ão no local, a
conhecer as pedras, o jardim, os campos; explicar-lhe-ão como funciona a
cidade, a fábrica, e tudo que puder ajudá-lo a tornar-se gente grande. A vida,
afinal, é a melhor escola que existe. Vamos ver o resultado.
Dona Mamãe aprovou com entusiasmo a decisão do Sr. Papai.
Quase lamentou não possuir outros filhos nos quais pudessem aplicar um sistema
educativo tão sedutor.
Para Tistu, adeus empadinhas comidas às pressas, pasta a
carregar nas costas, carteira onde a cabeça tombava sozinha e punhados de zeros
a escorrerem do bolso! Começava uma vida nova.
E o Sol se pôs de novo a brilhar.” (O menino do dedo verde –
Maurice Druon)
Terminei de ler este livro ontem, foi um presente da minha
irmã Ju, por uma indicação do nosso amigo Padre José Luis.
É uma obra de ficção, escrita com humor e poesia. Ele não
trada da SD, mas como nossa vida é transbordada de amor pelo Davi, fica difícil
não traçar alguns paralelos... Depois que esta “pessoinha” entrou na nossa
vida, não conseguimos mais olhar o mundo se não for pelo olhar dele.
O livro apresenta uma leitura super simples e
gostosa... fica a dica!
Nosso "Tistu" não tem o dedo verde... mas o coração!...
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